Transtorno do Espectro Autista (TEA) não é doença
- Márcia Casali
- 16 de mar. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 20 de jul. de 2022

“Com quantos autistas você se lembra de ter estudado na escola, na faculdade ou no curso?
Com quantos autistas você já trabalhou ou trabalha?
Com quantos autistas você já conversou na sua vida? Com quantos jogou futebol?”
Quem indaga é a estudante de Direito, Gabrielle Ramos, 21 anos, que é uma pessoa dentro do espectro autista. E como ela mesmo se define: “Eu sou autista”.
Gabi, como gosta de ser chamada, tem um perfil nas redes sociais onde leva aos seguidores informações sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ela afirma que conhecer o tema supera os estereótipos que os rodeiam, tendo em vista que muitos, por falta de um diagnóstico ou tratamento, são taxados como estranhos ou problemáticos, e passam a vida tentando se encaixar na sociedade, o que leva à exaustão.
Importante conhecer
Muitos pais ainda se recusam a falar a respeito, e muitos se assustam com o diagnóstico, preocupados com o futuro de seus filhos. Mas é necessário avançar e abordar sobre o tema, antes que a falta de conhecimento venha prejudicar a saúde e a inclusão. Para Gabi é preciso construir um mundo mais inclusivo e sem estereótipos.
Especialistas advertem que o autismo não é doença, por isso não tem cura. A condição TEA está relacionada ao desenvolvimento do cérebro que afeta a comunicação e a interação social. “Se você quiser saber a teoria do autismo, você procura livros e um profissional. Se você quiser conhecer o autismo na prática, você procura um autista”, explica.
Ela lembra que na escola tinha dificuldades em se comunicar e interagir, o que a impedia de fazer trabalhos em grupo. Com acompanhamento profissional aprendeu a lidar consigo mesma, e encontrou na escrita uma forma de exercer interação. De acordo com Eduardo Yto, um de seus seguidores, Gabi é resposta para muitos pais ao vê-la trabalhando e estudando.
Segundo a jovem, ver os amigos empregados a motivou a querer trabalhar, mas comenta que não foi fácil. As empresas não davam oportunidade, e ela acredita que por preconceito infundado, já que não a conheciam o suficiente para saber se ela teria ou não capacidade para exercer a função. “Precisamos falar sobre o capacitismo no mercado de trabalho. Ter uma deficiência não me faz menos capaz”.
Ao todo foram três tentativas. Na primeira foi eliminada em menos de dois minutos, pois o recrutador disse que ela tinha “uma deficiência muito visível”. Na segunda foi elogiada por e-mail, mas eliminada na entrevista presencial com um “infelizmente preenchi a vaga”. Por fim, mesmo desanimada, foi para a terceira entrevista, e há dois anos trabalha nessa empresa que a acolheu, pois viram nela muito mais do que “uma autista sem experiência”, mas uma pessoa com capacidades, que só precisava de uma oportunidade.

Gabi mora sozinha, e tanto em casa, quanto no trabalho, possui uma rotina bem específica. E a forma que ela encontrou de se organizar foi colocando avisos na parede onde escreve o que precisa fazer no dia, na semana e no mês, além de compromissos pontuais. No quarto tem um quadro onde planeja as roupas que usará diariamente, e um outro na cozinha com as indicações das refeições da semana.
Vale informar que toda essa organização é devido a um problema que ela enfrenta, conhecido como disfunção executiva. Algo que torna complexo tarefas simples, como escovar os dentes. No trabalho, a equipe separa as tarefas em partes, pois muitas informações atrapalha o desenvolvimento das atividades.
Bem humorada, ela diz que já passou por todos os setores da empresa, pois trabalhar com ela é uma tarefa complicada. E garante que todos os colegas sobreviveram sem sequelas. Mas um hábito das pessoas a incomoda, que é de tentar julgar o nível de autismo de alguém pelo que ela vê.
“Junto com esse “ah, mas seu autismo é leve”, vem uma cobrança surreal para que eu seja e pareça menos autista, para que eu me encaixe nos padrões da sociedade. Eu não quero que meu trabalho seja levado a sério por eu parecer normal. Tampouco que meu trabalho seja levado a sério, apesar de eu ser autista. Quero que meu trabalho seja levado a sério simplesmente por ser um bom trabalho, sendo quem eu sou, ou até́ mesmo independente de quem eu sou, finaliza”.
Equoterapia é a cura através do cavalo
Desde 2013 trabalhando com crianças e adolescentes, Alyne Dini utiliza a equoterapia em seu trabalho, pois o cavalo, como agente terapêutico, traz inúmeros ganhos aos pacientes. Ela é psicóloga especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo, com pós graduação em Neuropsicologia, e especialização em Altas Habilidades e Superdotação.
Segundo Alyne, o autismo é um transtorno de desenvolvimento que afeta crianças já na primeira infância. Ela descreve como uma forma diferente de ver o mundo, de perceber as coisas a sua volta, de viver e de ser. “É preciso apresentar o mundo a criança, caso contrário ela crescerá isolada, com depressão e ansiedade”.
Marcos de desenvolvimento
Sobre os sinais de alerta, Alyne destaca a atenção dos pais para os marcos de desenvolvimento. Por exemplo, aos sete meses a criança já identifica o lado de onde vem o som. Aos onze já balbucia alguns sons, bate palmas e dá tchau. E com um ano já fala as primeiras palavras. É a fase em que os neurônios espelhos estão trabalhando fortemente, porque o ser humano aprende por imitação. Vale lembrar que a criança, que está dentro do espectro autista não realiza nenhuma das atividades citadas.
Alyne sugere que ao perceber qualquer atraso o responsável deve procurar um especialista, pois uma intervenção precoce é qualidade de vida tanto para a família, quanto para a criança. “Pais atentem-se aos marcos de desenvolvimento da criança. Não caiam nessa de que cada criança tem o seu tempo. Existem marcos que precisam ser cumpridos, e os pais devem estar atentos a isso. A intervenção precoce, com um ou dois aninhos, oferece uma vida funcional muito melhor”, adverte.
Comunicação além da fala
Quanto a comunicação, ela não se restringe apenas a verbal. Ao trabalhar com uma criança que tem a fala prejudicada, é necessário utilizar das vias funcionais para que ela consiga se comunicar. São utilizados livros, brinquedos ou troca de figuras. Dessa forma ela vai expressar o que quer, o que está sentindo, ou o que precisa naquele momento. “A criança que se faz entendida diminui muito os comportamentos inadequados como: choro, birras e alto agressão. A gente precisa dar funcionalidade e qualidade de vida pra ela”, reforça a especialista.
As áreas afetadas no desenvolvimento de crianças com autismo são: comunicação, socialização e comportamento. Vale lembrar que não existe descrever a diversidade do espectro como “tipos de autismo”, pois o TEA abraça uma série de condições.
Os profissionais da saúde utilizam testes padronizados, e escalas padrão ouro para fazer o diagnóstico e determinar o início da intervenção, e quais pontos serão estimulados na criança. A ciência classifica o autismo da seguinte forma:
👉Autismo de nível 3 ou com baixo funcionamento;
👉Autismo de nível 2 ou com funcionamento moderado;
👉Nível 1 ou autismo de alto funcionamento (que necessita de suporte).
Benefícios da equoterapia

A equoterapia serve para complementar o tratamento terapêutico, que utiliza o cavalo como um facilitador no conjunto de técnicas para superar danos sensoriais, motores, cognitivos e comportamentais.
Dentre os benefícios, destacam-se a autonomia, autoconfiança, e a interação social. As atividades no solo desenvolvem a atenção, pois a criança da banho, escova o pelo, leva para passear, e muitas preparam a alimentação do animal.
Quanto a estar em cima do cavalo, Alyne analisa que a criança se sente grande e importante, o que trabalha a autoestima, confiança e controle. Também requer do praticante reações de equilíbrio e de postura para que ele possa se manter em cima do animal.
“Se é uma criança que precisa de mais apoio, quando a colocamos em cima do cavalo, conseguimos trabalhar a visão motora e visão espacial. A gente consegue trabalhar toda parte motora, além de melhorar questões emocionais como a depressão, ansiedade e autoestima”, explica.
Fotos: Gabrielle Ramos e Alyne Dini
Comments